Vou repostar alguns contos e poesias meus para vocês a partir de hoje. Começamos com este...
Sigo na rua, caminhando com a pressa de sempre e dou de cara com um sujeito barbudo, careca e da mesma altura que eu. Tento seguir adiante desviando dele. Ele dá um passo ao lado e não me deixa passar. Dou outro passo para o outro lado e ele novamente me impede de passar. Só então percebi as características que descrevi. Diante dele, parado, no centro da cidade, tento não perder a cabeça:
- Posso?
- Pode o quê?
- Passar, colega! – já nervoso.
- Prá quê?
Comecei a achar que o sujeito era maluco...
- Tenho muita coisa prá fazer.
- Tem? Quem não tem?
- Sei lá! Eu sei que eu tenho! Dá licença?
- Não.
A vontade, juro, foi de enfiar a mão na cara dele.
- Ok. Se todos tem o que fazer, vá fazer as suas coisas – falei enquanto tentava passar por ele.
- Já estou fazendo! – e me impede de passar pelo seu lado quase me empurrando.
No toque com ele, parei. Fiquei com medo. A mão começou a suar. Havia tempo que ela não suava. Prá falar a verdade, nem lembrava mais que tinha mão; só ali lembrei.
- Tá bom, você tem minha atenção. O que você quer?
- O que VOCÊ quer?
- Passar!
- Não, não... você não entende nada! O que VOCÊ quer?
Comecei a pensar que ele era um religioso desses que prendem a gente na rua para pregar a palavra de Deus. Ele se adianta:
- Não estou pregando a palavra de Deus, mas tentando ouvir SUA palavra.
- Minha palavra... eu estou com pressa, tenho uma reunião daqui a exatos 30 minutos e quero muito chegar a tempo. Meu emprego depende disso.
- Pressa, tempo, compromisso... você tem tudo isso para com os outros... e para você, cadê o tempo?
- Tenho o fim-de-semana! Neste mesmo eu vou...
- Pára, pára! Presta atenção, rapaz! Você está perdendo uma preciosa oportunidade! Você não entendeu? É de você que estamos falando!
- Prá quê você quer saber da minha vida? – não sei se eu estava mais com essa pressa toda.
- Por que não? Não há o que dizer?
- Sim, mas essa não é a hora.
- Qualquer hora é hora para pensar em você.
Larguei a pasta no meio da Presidente Vargas, sol a pino, tirei meu paletó, coloquei em cima da pasta, cruzei os braços e olhei no fundo dos olhos daquele sujeito e falei:
- É incrível, mas eu não penso na minha vida. Penso nos projetos, no trabalho, no que eu tenho que fazer para subir na vida...
- Pensa em como subir na vida mas não pensa na vida...
- É – nem eu mesmo entendi essa, mas tentei emendar – tem um descompasso entre minha vida e a vida que eu levo; é como se eu fizesse as coisas para não pensar. Se eu começo a pensar muito, e eu fazia muito isso há anos atrás, eu não saio do lugar, fico só pensando...
- De qualquer maneira, segue sem sair do lugar.
- É, é isso! Eu não consigo coadunar minha vida com o que eu penso dela!
- Por que?
- Eu, eu...
Neste momento, sinto uma pressão na cabeça, fico tonto – saio do eixo mesmo – e me vem à cabeça minha infância, minha mãe e suas convicções de que não conseguiria vencer na vida sendo como sou. Ela não falava isso por mal, queria apenas que eu estudasse e me formasse para ter um lugar nesse mundo cão. Só consegui dizer:
- A minha vida é difícil para mim – e caí num choro compulsivo na frente do cara.
Levei as mãos ao rosto enquanto chorava. Não importava mais a reunião. Na realidade, nem existia reunião. Existia agora algo que eu não sabia falar, mas que insistia para sair. Ouvi ele dizer:
- Bem-vindo à sua vida. Boa sorte!
Não sei se fiquei 2 ou 5 segundos mais naquela posição, mãos ao rosto, em pé na rua, mas quando tive coragem de olhar novamente para aquele estranho, a única coisa que quis dizer foi:
- Muito obrigado!
Falei enquanto olhava para frente, mas ele não estava mais lá, só aquela confusão de gente sem rosto caminhando para lugar nenhum. Naquele dia renasci; aquele sem nome me abriu possibilidades, deu minha vida de volta. Ainda tento aprender a difícil tarefa de olhar para minha vida.
Um comentário:
Ás vezes falta coragem para parar e olhar...
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